Durante muitos anos, fiz objeto de pesquisa detalhada, o livro de Mestre Huiracocha -
A Igreja Gnóstica. Entretanto, sempre baseie estas pesquisas na edição original da citada Obra, tendo em vista que, por exemplo, na tradução feita da mesma para o vernáculo, editado pela
Editora Madras temos omissões de parágrafos, assim como acréscimos, que nos levam a enganos flagrantes. Vejamos um, objeto do tema de nosso post hoje. Na página 64 da citada edição temos: "
Vejamos, então, a participação do evangelista Marcos, que nos deu a Missa Gnóstica , pois foi ele que cuidou, com mais interesse Unção Eucarística".
Ora, quem quer que leia o texto acima deduzirá foi o Evangelista Marcos, autor do Evangelho de Marcos (considerado o mais antigo dos Evangelhos Sinóticos), discípulo de Pedro, que nos deu a "Missa Gnóstica". O leitor, seja da FRA ou não, ficará em dúvida de que "Missa Gnóstica" o Mestre Huiracocha estaria se referindo: seria a Missa Gnóstica da FRA? A resposta é NÃO!!!
No original, entretanto, consta: "Veamos a Marcos, quien nos dio la missa gnóstica, fué él quien con más interés cuido de la Unción Eucarística". Mestre Huiracocha se refere a um "Marcos", mas com certeza, não ao evangelista Marcos, como falado, o autor do Evangelho de mesmo nome.
Felizmente, na última edição de
A Igreja Gnóstica, pela FRA Brasil, corrige esse equívoco da edição da Madras e ainda, corretamente, coloca entre parênteses, quem é o Marcus referido no texto de Mestre Huiracocha:
Marcus (de Mênfis). Esta tradução, bem fiel ao original, eu recomento a qualquer pesquisador ou membro da FRA, por causa de sua qualidade. E seguiremos, nosso artigo utilizando-a. Vejamos agora os textos de A Igreja Gnóstica que nos fala da Missa Gnóstica, que nos foi legada por Marcus de Mênfis: "V
ejamos agora Marcos (de Mênfis) que nos deu a missa gnóstica. Foi ele quem, com máximo interesse cuidou da Unção Eucarística. Pertenceu à seita dos essênios entre os quais, já sabemos, se praticava o ágape, celebrado , também, por Jesus em companhia dos apóstolos, na casa de José de Arimateia. porém a \fórmula utilizada por Marcus, embora seja mais bela, difere, em parte da nossa.. por não ser tão útil em nossa época... Marcus exalta a extrema importância da vocalização, na fórmula por ele utilizada e diz que toda verdade está encerrada no alfabeto grego. Coloca as letras desse alfabeto, sucessivamente, na cabeça, pescoço, costas, etc., e faz o líquido espermático penetrar, mediante essas forças, para o corpo interno. Nenhum dos Ocultistas modernos nos falou com tanta franqueza e nitidez sobre os Grandes Mistérios como ele o fez... Faz menção de 24 vogais - que na realidade existem e são conhecidas do Iniciado - e afirma que o nome de Cristo se compõe dessas 24 vogais para ser LOGOS, cujo valor é a cifra 888, ou seja, três vezes o infinito... Marcus ensina os mantras necessários para evocar os anjos e, podemos confirmar, com toda certeza, que produzem os efeitos desejados... A obra de Marcus merece que se faça, sobre ela, um Livro especial, porém, nesta primeira exposição não nos é possível ir mais longe até que nossos discípulos se encontrem melhor preparados".
Na época do Mestre Huiracocha, as fontes que utilizou para informar-se sobre a Gnosis, foram as clássicas da Patrística, principalmente Contra as Heresias de Irineu de Leão, Karl Schmidt e Hans Jonas, que condensou em sua excelente obra The Gnostic Religion, tudo o que era conhecido sobre o tema antes da descoberta de Nag Hammadi, em 1945.
Via de regra, não foi encontrada ainda nenhuma fonte primária sobre os ensinamentos de Marcus de Mênfis, sendo o Marcusianismo, segundo a maioria dos estudiosos, oriunda da árvore Valentiniana.
Assim, para ilustrar os ensinamentos de Marcus de Mênfis e sua mística com relação a cerimônia de Eucaristia citaremos o que Irineu de Leão falou dele, em sua severa critica a seus ensinos. Mas, mesmo assim, poderemos ter um vislumbre de seu sistema.
CONTRA AS HERESIAS - IRINEU DE LEÃO
Doutrina de Marcos (pularemos alguns parágrafos que tratam apenas de denegri-lo, centrando no que ele ensinou - Também destacaremos algumas partes dos ensinos de Marcus).
13,1. Outro, entre eles, que se gaba de corrigir o mestre, chamado Marcos, experientíssimo na arte
mágica com a qual seduzia muitos homens e não poucas mulheres, atraindo-os a si como ao gnóstico
e perfeito por excelência, e como detentor da Potência suprema provinda de lugares invisíveis e
indescritíveis, é como que o verdadeiro precursor do Anticristo. Misturando os jogos de Anaxilau
com as malícias dos assim chamados magos se faz passar por milagreiro aos olhos daqueles que
nunca possuíram discernimento ou então o perderam.
13,2. Fingindo consagrar no cálice uma bebida misturada com vinho e pronunciando longas
invocações, a faz aparecer de cor púrpura ou vermelha. Assim, pode-se pensar que a Graça, por
causa da sua invocação, depositou naquele cálice o seu sangue, vindo das regiões supernas. Os que
assistem desejam provar da bebida para que se der-rame também neles a Graça invocada por este
mágico. Depois, apresentando aquela mistura de bebida às mulheres, ordena que elas deem graças,
na sua presença. Feito isto, pega num cálice muito maior do que aquele sobre o qual a extraviada
deu graças e, transferindo a bebida do cálice menor, sobre o qual foi feita a eucaristia, para aquele
bem maior que ele de antemão preparara, pronuncia estas palavras: Aquela que está antes de todas as
coisas, impensável e inexprimível Graça, encha a tua pessoa interior, multiplique em ti a sua gnose,
semeando o grão de mostarda em terra boa. Aquela infeliz, fora de si de estupor ante estas palavras,
julga prodígio o fato de o cálice maior ser enchido pelo menor até derramar. Com esta e outras
mágicas semelhantes seduziu e atraiu muitos a segui-lo.
13,3. Ele dá a entender que teria um demônio como assistente que o faz profetizar, a ele e a todas
aquelas mulheres que julgar dignas de participar da sua Graça. Dedica-se de modo especial às
mulheres, e, entre elas, especialmente às mais nobres, intelectuais e ricas, cujas vestes são enfeitadas
de púrpura, que lisonjeia, procurando atraí-la com estas palavras: Quero que participes da minha
Graça, porque o Pai de todos vê sempre o teu Anjo diante dele. Mas o lugar da tua grandeza está em
nós, por isso devemos formar uma coisa só. Recebe primeiramente de mim e por meu intermédio a
Graça. Prepara-te como esposa que espera pelo esposo para seres o que eu sou e eu seja o que tu és.
Dá lugar na tua cama nupcial à semente da Luz. Recebe de mim o Esposo, dá-lhe lugar em ti, toma-o
e sejas tomada por ele. Eis que a Graça desce em ti: abre a boca e profetiza. A mulher responde: Eu
nunca profetizei, nem sei profetizar. Então ele repete algumas invocações que arrebatam a infeliz
seduzida e diz: Abre a boca, dize qualquer coisa e profetizarás. E aquela, excitada por estas palavras
e sentindo ferver na alma a ilusão de começar a profetizar e o coração pulsar mais forte do que de
costume, anima-se e se põe a profetizar todas as tolices que lhe vêm à cabeça, sem sentido e sem
hesitar, justamente por ser inflamada por espírito vazio. Alguém, melhor do que nós, disse a
propósito dessa gente: audaciosa e impudente é a alma aquecida por vãos vapores. A partir deste
momento ela julga ser profetisa e agradece a Marcos por torná-la participante da sua Graça e procura
recompensá-lo não somente doando-lhe os seus bens (é daqui que vêm as grandes riquezas deste
homem), mas também o seu corpo, desejando unir-se em tudo a ele para formar com ele o Uno.
Doutrinas sobre a primeira Tétrada
14,1. Este Marcos, portanto, dizendo que só ele, por ser Unigênito, é o seio e o receptáculo do
Silêncio de Colabarso, afirma que emitiu desta forma a semente nele depositada: a Tétrada que está
acima de tudo, desceu a ele dos lugares invisíveis e inefáveis, na forma de mulher, porque, diz ele, o
mundo não podia suportar o elemento masculino dela, mostrou-se-lhe assim como era, e manifestou
somente a ele a origem de todas as coisas que nunca tinha revelado a ninguém, quer fosse deus quer
homem. E lhe disse: Quando, no princípio, o Pai que não tem pai, que é inconcebível e sem
substância, que não é masculino nem feminino, quis que o inefável dele pudesse ser expresso e o que
é invisível se tornasse visível, abriu a boca e proferiu o Verbo, semelhante a ele. Este Verbo se
postou a seu lado e mostrou-lhe o que era: a forma do invisível que se manifestava. A enunciação do
nome se deu assim: disse a primeira parte do nome, composta por quatro letras; acrescentou a
segunda, também de quatro letras; depois disse a terceira, de dez letras e, por fim, a seguinte, de doze
letras. A enunciação do nome completo é formada por trinta letras e quatro sílabas. Cada um destes
elementos tem as suas letras, o seu caráter, sua pronúncia, seus traços e suas imagens e nenhum deles
percebe a forma total de que não é senão um elemento. E não somente isso eles não sabem, mas cada
um ignora a enunciação do seu vizinho. E quando pronunciam o seu nome acreditam exprimir o Tudo.
Cada um deles, que é uma parte do Todo, diz o seu nome como se fosse o do Todo e não pára de
proferi-lo até que chegue à última letra da última sílaba. Então, diz ele, acontecerá a reintegração
universal, quando todos chegarem a uma só letra e a um único som; e o símbolo da exclamação é o
Amém que juntos dizemos. Estes são os sons que formam o Éon sem substância e ingênito; eles são as
formas que Deus chamou Anjos e vêem sem interrupção o rosto do Pai.
14,2. Aos elementos comuns e exprimíveis deu o nome de Éões, Lógoi, Raízes, Sementes,
Pleromas, Frutos. Tudo o que lhes é próprio e característico é abrangido no nome Igreja. A última
letra do último destes elementos emitiu a sua voz e este som gerou elementos próprios à imagem dos
elementos do Tudo. Por eles foram dispostas as coisas presentes e criadas as antecedentes. A própria
letra cujo som seguia ao som anterior foi novamente recolhida pela sua sílaba, para que o Tudo
permanecesse completo; mas o som ficou embaixo, como lançado fora. O próprio elemento do qual
caiu a letra com a sua enunciação consiste de outras trinta; cada uma destas contém em si outras trinta
que formam o nome da letra. Por sua vez as outras letras são designadas com o nome de outras letras,
e estas de outras, assim até o infinito. Por um exemplo compreenderás com maior clareza o que quero
dizer: o elemento “delta” é composto por cinco letras, isto é, delta, épsilon, lambda, tau e alfa, e
estas são escritas com outras letras, e assim a seguir. Ora, se com a letra delta considerada na sua
integridade se vai ao infinito, pois uma letra gera sempre outra e se sucedem umas às outras, quanto
maior do que este elemento é o mar de todas as letras! E se uma só letra é assim infinita, pensa por
um momento no abismo de todo o nome das letras de que consta, segundo o Silêncio de Marcos, o
Pró-pai. Por isso o Pai, cônscio da sua incompreensibilidade, concedeu aos elementos chamados
Éões, proferir cada um a sua própria enunciação, na impossibilidade de um só enunciar o Tudo.
14,3. Depois de lhe ter exposto estas coisas, a Tétrada disse: quero mostrar-te a própria Verdade.
Eu a fiz descer dos mundos superiores para que a vejas nua e admires a sua beleza, a ouças falar e
admires a sua sabedoria. Olha a sua cabeça, no alto, primeiramente, o alfa e o ômega; o pescoço,
beta e psi; os ombros e as mãos, gama e qui; o peito, delta e fi; o tronco, épsilon e ípsilon; o ventre,
zeta e tau; as genitálias, eta e sigma; os fêmures, teta e rô; os joelhos, iota e pi; as pernas, capa e
ómicron; os tornozelos, lambda e csi; os pés, mi e ni.
41 Este é o corpo daquela Verdade, segundo o
mago, este o aspecto do elemento, o caráter da letra. A este elemento dá o nome de Homem e diz que
é o princípio de todo o Logos, fonte de toda voz, expressão de todo o Inefável, a boca do taciturno
Silêncio. Eis o corpo dela. Tu, porém, elevando mais ao alto a inteligência de tua mente, escuta da
boca da Verdade o Verbo gerador de si mesmo e doador do Pai.
14,5. Deves entender que as vinte e quatro letras que usais são o símbolo das três Potências que
compreendem o número total dos elementos do alto. As nove letras mudas são o símbolo do Pai e da
Verdade, porque são áfonas, isto é, inexprimíveis e inefáveis. As oito semivogais são o símbolo do
Logos e Zoé e estão no meio, entre as mudas e as vogais, e recebem a emanação das que lhes estão
acima e a elevação das de baixo. As sete vogais são o símbolo de Homem e de Igreja, porque a Voz
formou todas as coisas passando pelo Homem. De fato foi o som da Voz que lhes deu a forma. O
Logos e Zoé têm, portanto, o número 8, o Homem e a Igreja o 7; o Pai e a Verdade o 9. Como a soma
era menor e incompleta, aquele que estava junto ao Pai desceu, enviado lá de onde se separara, para
corrigir o defeito das coisas e para que a unidade do Pleroma, possuindo a igualdade, frutificasse em
todos e produzisse uma Potência que deriva de todos. Assim o número sete recebeu o valor de oito e
ficaram três Lugares semelhantes, pelo número, às Ogdôadas que vindo três vezes sobre si mesmas
apresentam o número vinte e quatro. Os três elementos que, segundo Marcos, estão em sizígia com as
três Potências, portanto seis, donde derivaram vinte e quatro letras, que multiplicadas por quatro,
número da inefável Tétrada, produzem o mesmo número: elas pertencem ao Inefável, mas são
revestidas das três Potências à semelhança do Invisível. Imagens das Imagens destes elementos são
as nossas letras duplas, que somadas, em virtude da analogia, às outras vinte e quatro dão o número
trinta.
Há muito mais para dizer, e como disse o Mestre Huiracocha, seria necessário um livro para tratar de todas essas doutrinas (Confesso que tenho esta pretensão). Também pelo vislumbre que demos, mesmo sendo de um inimigo dos gnósticos, conseguimos entrever sua profundidade e entendemos melhor as citações do Mestre Huiracocha sobre Marcos de Mênfis, o Gnóstico, tão difamado pelos primitivos padres. Defendemos a tese de que certos mantras entoados em certos rituais da FRA tenham, no mínimo, inspiração neste notável gnóstico.
Este artigo será constantemente revisado, visando esmiuçar as doutrinas de Marcus de Mênfis, sempre buscando esclarecer a obra gnóstica de Mestre Huiracocha, que tem seu expoente na Missa semanal da Igreja Gnóstica da FRA.
Até breve.
Marcos Pagani